O governador do Bié, Pereira Alfredo, exortou a população a esquecer o passado e a construir o Estado democrático e de direito, com o espírito de tolerância, paz e harmonia. O apelo à construção de algo que (ainda) não existe é digno de registo e indicia uma boa perspectiva política.
Falando durante o culto de acção de graças, segundo revela o insuspeito Jornal de Angola, realizada na Igreja do Bom Deus, em alusão ao Dia dos Mártires da Resistência do Cuito, o governador do Bié pediu à população a pacificação dos espíritos, sublinhando que o 28 de Junho “marca a história dos bravos heróis que deram o seu sangue para a libertação da população da província do Bié na terrível guerra civil denominada “Mártires da Resistência do Cuito”.
No melhor tecido cai a nódoa. Apelar ao esquecimento do passado e, na esma frase, enaltecer os angolanos que conseguiram matar mais angolanos e, assim, supostamente vencer uma batalha, é digno de quem fala da paz mas quer a guerra. Sabe-se que, talvez por ser – como todos – um governador não eleito, Pereira Alfredo é dos que entende (como ordena o seu patrão) que em Angola só há dois tipos de pessoas: os angolanos (os que são todos do MPLA) e os outros (escravos ao serviço dos donos da roça).
“O Governo vai continuar a estreitar as relações institucionais com as igrejas, no sentido de, juntos, construirmos uma Angola boa para se viver. Enquanto o Governo vai tapando os buracos das marcas da guerra, as igreja vão tapando os buracos daqueles que ainda estão presos nas más lembranças do passado”, disse.
Bem que Pereira Alfredo poderia ter explicados que, durante a guerra, só as balas das FALA (UNITA) matavam civis. As do MPLA (FAPLA) desviavam-se… Seria uma boa forma de chegar a ministro, já que quanto ao resto (cérebro no intestino grosso e coluna vertebral descartável) preenche todos os requisitos.
Trabalhar dá muito… trabalho
Angola reúne condições naturais para produzir grandes quantidades de cereais, sendo que 30 por cento do trigo consumido no mercado nacional pode ser produzido internamente. Quem descobriu a pólvora? O ministro da Indústria e Comércio, Victor Fernandes, que foi em Maio ao município do Chinguar (Bié), explicar a “diferença” entre seis e… meia dúzia.
Victor Fernandes, que – ou não fosse um perito de alto gabarito – falava à margem da abertura da campanha de colheita de duas mil toneladas de trigo, na Fazenda “Vinevala”, disse que os produtores locais têm condições para produzir em grande escala, e sustentarem a cadeia produtiva do cereal.
Para isso, Victor Fernandes defende um investimento massivo nas empresas transformadoras do cereal nos produtores locais com potencialidades no ramo, para que o país possa ter a capacidade de pelo menos produzir 30 por cento do trigo importado.
“Assim como a Fazenda Vinevala, temos nas diferentes regiões do país, produtores capazes de elevar a cultura do trigo”, apontou o ministro, depois de frisar que é urgente inverter o volume da importação do cereal, que considera onerosa. Victor Fernandes sublinhou que a capacidade instalada das indústrias transformadoras do trigo é de cerca de 700 mil toneladas por ano, destacando que se um terço se traduzisse na produção interna, o sector da Agricultura teria o desenvolvimento sustentável que se pretende.
“A cadeia produtiva tem de funcionar, no sentido de garantir que quem está a produzir comida, sobretudo, tenha uma casa condigna, assistência social e capacidade de uma vida próxima aos padrões normais”, avançou, antes de sublinhar que “não faz qualquer sentido que quem trabalha no sector primário continue pobre”.
Assim sendo, revelou que o Ministério da Indústria e Comércio está a desenvolver acções com vista a acabar com a extrema pobreza da classe camponesa, o que poderá ser feito pelo trigo que constitui a base alimentar de cerca de 30 milhões de angolanos.
“O país gasta mais de 300 milhões de dólares por ano, com a importação do trigo, e nós temos condições para produzir localmente. Temos que arquitectar acções para inverter o quadro”, afirmou o ministro.
Por seu turno, o proprietário da Fazenda, Alfeu Vinevala, disse que já perdeu 84 milhões de kwanzas em duas produções de trigo, mas continua a apostar neste segmento, dada as necessidades que o país apresenta. “Nunca desisti, e hoje temos provas do que conseguimos quando apostamos”, referiu, acrescentando que a fazenda tem uma máquina com capacidade para colher até 15 toneladas de trigo por dia.
Para o governador do Bié, Pereira Alfredo, a província tem potencial, sendo que dos 60 por cento de terras aráveis que dispõe, apenas 20 são aproveitadas devido ao fraco investimento, assegurando que ” principal diamante do Bié é a terra e água”. Não seria caso para ter lembrado os “Mártires da Resistência do Cuito”?
Em 2018, o administrador da empresa de Cereais de Angola (Cerangola), Ecumbi David, disse com todas as letras que 50 toneladas de trigo apodreceram nas comunas de Cachingues, Mumbuwe, Soma-Kwanza, Mutumbo e Malengue, município do Chitembro, província do Bié, por falta de meios de transporte.
“A falta de mercado e de meios para transportar a produção de trigo estão na base da deterioração de mais de 50 toneladas de trigo no Chitembo, situação que está a levar os mais de 150 camponeses das comunas de Cachingues, Mumbuwe, Soma-Kwanza, Mutumbo e Malengue a ponderar o abandono da actividade”, alertou Ecumbi David.
No início de Outubro de 2018, o então ministro da Agricultura e Floresta, Marcos Nhunga, trabalhou na província do Bié, para avaliar a preparação da campanha agrícola 2018/2019., afirmando que o Governo pretendia para esta campanha agrícola garantir a disponibilidade de sementes melhoradas e de alto rendimento, elevar a oferta de fertilizantes, intensificar a produção e o uso de calcário dolomítico para correcção dos solos e extensão das áreas de produção.
Também prometeu promover e intensificar o uso da tracção animal no sector familiar e a mecanização no sector corporativo e empresarial, figuram igualmente nos seus planos o aumento da produção e da produtividade. Nada disse (é claro) sobre as toneladas de trigo que apodreceram…
No dia 15 de Abril de 2018 o “Jornal de Angola” revelou que “numa altura em que o país ainda recorre a importações para cobrir o défice de produção de cereais, cerca de seis mil toneladas de arroz e milho, resultantes da campanha agrícola 2015-2016, corriam o risco de deteriorar-se em silos, por razões meramente burocráticas que impediam a sua comercialização”.
A acusação foi do presidente do Conselho de Administração da Gesterra, empresa que geria as fazendas de onde foram colhidas, sendo que “parte do arroz esquecido” em silos foi produzido na comuna do Longa, Cuando Cubango, onde o Estado detém umas das maiores fazendas de cereais.
Carlos Augusto Dias Paim admitiu que, a julgar pelo tempo excessivo de armazenamento, o produto já perdeu parte do seu valor comercial. “A nossa maior preocupação prende-se com os resultados da campanha agrícola 2015-2016, da qual restam cerca de seis mil toneladas de cereais, que não foram comercializados e correm o risco de estragar-se”, disse.
Recuemos a uma notícia de 17 de Fevereiro de 2018 onde se dizia que o Pólo Agrícola da Quiminha, considerado o maior projecto integrado de agricultura em Angola, que resultou de uma parceria público-privada que juntou especialistas israelitas, deveria atingir nesse ano a plena produção e prevendo já a exportação para a Europa.
Localizado a cerca de 50 quilómetros de Luanda, o projecto foi lançado em 2012, pelo Estado angolano, que avançou com a infra-estruturação dos 5.000 hectares de cultivo, onde na altura já trabalhavam 600 pessoas na produção de cerca de 30.000 toneladas anuais de todo o tipo de legumes e frutas.
Como explicou na altura o director-geral do Projecto de Desenvolvimento Integrado da Quiminha, o israelita Regev Harosh, o objectivo era exportar, por via aérea, as primeiras quantidades de batata-doce e banana produzidas localmente.
Em 48 horas estarão à venda em lojas na Europa, de Portugal à Bélgica: “Planificamos arrancar com a exportação no mês de Outubro. A qualidade e quantidade dos produtos [batata-doce e banana] daqui é muito alta e há uma forte procura do mercado europeu, durante o ano todo”.
De pepino a tomates, passando pelas batatas, beringelas, cebolas, grãos e até 25 milhões de ovos anuais, recorrendo a 90.000 galinhas, a Quiminha é um projecto que em 2018 atingiu a velocidade de cruzeiro.
“Até Outubro vamos ter 100% da capacidade de produção do projecto. Vamos atingir este ano as 40.000 toneladas”, avançou Regev Harosh, recordando que as técnicas ali utilizadas permitem a produção agrícola todo o ano, inclusive fora da época das chuvas.
Até Outubro de 2018, a produção da Quiminha, que já abastecia Luanda e as principais cadeias de distribuição do país, deveria chegar a cerca de 60.000 toneladas de legumes e frutas, mas a meta final são 100.000 toneladas, na campanha agrícola que terminaria em 2019.
Por mera curiosidade que, contudo deve envergonhar o Governo e o MPLA, registe-se que, enquanto província ultramarina de Portugal, até 1973, Angola era auto-suficiente, face à diversificação da economia.
Era o segundo produtor mundial de café Arábico; primeiro produtor mundial de bananas, através da província de Benguela, nos municípios da Ganda, Cubal, Cavaco e Tchongoroy. Só nesta região produzia-se tanta banana que alimentou, designadamente a Bélgica, Espanha e a Metrópole (Portugal) para além das colónias da época Cabo-Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e Sã Tomé e Príncipe.
Era igualmente o primeiro produtor africano de arroz através das regiões do (Luso) Moxico, Cacolo Manaquimbundo na Lunda Sul, Kanzar no Nordeste Lunda Norte e Bié.
Ainda no Leste, nas localidades de Luaco, Malude e Kossa, a “Diamang” (Companhia de Diamantes de Angola) tinha mais 80 mil cabeças de gado, desde bovino, suíno, lanígero e caprino, com uma abundante produção de ovos, leite, queijo e manteiga.
Na região da Baixa de Kassangue, havia a maior zona de produção de algodão, com a fábrica da Cotonang, que transformava o algodão, para além de produzir, óleo de soja, sabão e bagaço.
Na região de Moçâmedes, nas localidades do Tombwa, Lucira e Bentiaba, havia grandes extensões de salga de peixe onde se produzia, também enormes quantidades de “farinha de peixe”, exportada para a China e o Japão.